Retrospectiva profissional 2020

Rafael Fernandes Pereira
8 min readJan 23, 2021

--

Relógio retrô com corrente em fundo preto
Photo by Fredrick Eankels from Pexels

2020. Fiquei pensando se escreveria o que aconteceu na minha carreira nesse ano que foi assolado pelo COVID-19, mais de 200 mil mortos no Brasil (até o momento da escrita desse texto), desemprego mais em alta que treta de instagram, cientistas e médicos fazendo o possível e impossível para desacelerar o contágio e pessoas fazendo festas. Fiquei com receio de escrever sobre como que foi meu ano profissional de 2020, pois não tive problemas: não perdi ninguém próximo, não fiquei desempregado e, tomando um caminho contrário, troquei de emprego 4 vezes, conseguindo mudar de carreira.

Mas resolvi escrever. Não para celebrar conquistas, mas sim para escrever mesmo. Então eu dedico a ninguém esse texto.

Que as pessoas que perderam os empregos possam se realocar no mercado, que o governo ajude quem precise, que nós ajudemos no que for possível, e que a fé das pessoas possa confortá-las com as perdas pessoais.

Que eu consiga passar nesse texto apenas o que aconteceu, de como foram os fatos, sem nenhuma mensagem motivacional, ou conselho.

O único conselho: confie na ciência.

Depois de uma respiração constante, 3 soluços

Meu resumo de carreira no ano de 2020 foi:

  1. Saí da Liax no final de 2019, depois de 4 anos de parceria;
  2. Em janeiro de 2020 entrei na Capitani para continuar atendendo o mesmo cliente que eu estava alocado pela Liax.
  3. Em fevereiro recebi uma proposta para trabalhar na Spread em um cliente, recebendo o mesmo valor hora, mas com um diferencial: esse cliente fica à 15 minutos à pé de casa. Aceitei por esse motivo e entrei no início de março.
  4. E no começo de março começam os casos de COVID-19 no Brasil. O cliente que eu estava é do ramo de turismo, logo começaram as quedas em receitas e não tendo mais procura por pacotes de viagens.
  5. No meio de março a Zup me procurou, oferecendo uma vaga CLT. O salário (fazendo as comparações certas entre CLT x PJ) era bem menor, mas como era CLT, o cliente era uma grande instituição financeira e o futuro incerto, aceitei a vaga.
  6. Em agosto comecei a atuar como QA e Dev no projeto, fazendo alguns cursos e lendo livros, pois estava começando a migrar de área (mais detalhes aqui)
  7. Em outubro, me ofereceram uma vaga na Capco como QA, mas com o desafio de montar processos de qualidade e ajudar com minha experiência de desenvolvimento. O desafio me cativou e resolvi aceitar a vaga, além disso a vaga estava alinhada com o que eu quero para minha carreira.
  8. Em novembro comecei a atuar na Capco.

Foi fazendo a entrevista na Capco que ouvi essa frase: “por que você estava numa constante respiração e esse ano você deu três soluços e vai dar o quarto?”. E quando fiz as entrevistas depois da Capitani ouvia esse tipo de frase: “por que você está saindo de lá, sendo que está há pouco tempo?”

Isso realmente gera uma desconfiança por parte de quem está contratando, pois não há garantias que o candidato vá ficar por muito tempo, não compensando investir naquele profissional.

Porém, mesmo tendo isso em mente, eu decidi aceitar as vagas, mesmo que isso me prejudicasse. Cada situação era diferente, então aceitei cada uma delas.

Valorize as pessoas

Algo que eu trouxe como crença do interior foi: tenho que ser eternamente fiel à empresa, ao dono dela. A oportunidade que me foi dada é única e preciosa.

Mesmo depois de ter sido demitido, essa crença ainda prevalecia. Ela continuou seu caminho sem mim. Nas outras que pedi demissão foi a mesma coisa: elas continuaram sem mim. Nenhuma empresa faliu, teve prejuízos, etc, sem minha presença. Ou meu cargo foi assumido por outra pessoa ou minhas atividades foram repartidas entre outras pessoas.

Demorou para entender que eu era apenas um número para as empresas. Para o CNPJ, pouca importa meus problemas, se precisar me demitir irá fazer; se eu peço contas, terá outro que vai me substituir. Você trabalhou para a empresa, ela te pagou por isso, tá tudo certo.

Mas isso não vale para as pessoas ao seu redor dentro da empresa. Cultivar amizades, ter bons relacionamentos com as pessoas ali dentro, prestar um bom trabalho, é o diferencial para o momento e depois. O mundo de TI é pequeno e a possibilidade de encontrar essas pessoas depois é altíssima, além de cultivar amizades duradouras, pessoas para poder sair para beber, etc. Um exemplo pessoal: uma pessoa que conheci na empresa que me demitiu virou amigo e, hoje, é padrinho de casamento.

Para reforçar isso, um vídeo do Sr K, do Jovem Nerd, dá um conselho para uma pessoa que está pedindo contas:

“[…] converse com as pessoas que te ajudaram, que te ensinaram, que foram boas com você, que te empurraram para frente, que te deram a mão quando precisou, converse com essas pessoas. À essas pessoas vc deve respeito e lealdade, e isso não se pode perder. Você tem que resolver com elas, você tem que conversar com elas. Agora com o chefe, com o cara lá em cima, que não sabe nem teu nome, cara… não perde seu tempo pensando nisso não. Ele não vai perder tempo dele pensando em você. Pensa o seguinte: a empresa tava aí antes de você e estará depois de você. Cuida do teu, porque ninguém vai cuidar para você.”

O início da leitura está aqui.

Antes de agir, escute

Uma situação que passei foi que em uma entrevista me disseram:

“É para atuar no cliente para derrubar as paredes, cavar e refazer toda a base. É para incomodar, se não estiver incomodando, está errado! É para ir com o pé na porta mesmo!”

Entrei na empresa e segui essa ordem. Resultado: catástrofe enorme. Stress, dor de cabeça, murro em ponta de faca, batendo de frente com tudo e todos. Desastre total.

E quando fui repreendido por isso falei o que foi me dito na entrevista. O que foi me dito:

“Você não deveria ter seguido ao pé da letra o que foi falado.”

Isso me tirou uma noite de sono. Segui o que foi dito para fazer e estava errado. Depois de refletir mais, comecei a ser mais calmo nas conversas, primeiro batendo na porta ao invés de chegar derrubando. Com essa atitude passaram as coisas melhoram no dia a dia, tendo mais entregas com qualidade e menos stress.

Depois, outro conselho foi dado:

“antes de agir, escute e entenda o que está acontecendo.”

E me lembrou de outra frase:

“Nunca deixar de ouvir com outros olhos”

do monólogo “Amadurecência”, d’O Teatro Mágico.

Esse conselho virou uma bússola, algo que tento praticar todos os dias, todos os momentos. Já colho frutos dessa mudança de pensamento, entendendo antes como estão as coisas e depois tomando as atitudes, as direções do que fazer e como melhorar as situações.

Um livro que tenho que terminar e aplicar é “O palhaço e o Psicanalista”, que é sobre escuta ativa.

Reafirmando: Fazer cursos e ir a eventos fora do seu contexto de trabalho sempre agrega

Bom, ir a eventos presencialmente e fazer cursos presencialmente, algo que planejei ano passado não foi possível, dado o contexto que estamos vivendo até agora. Participei de dois encontros com o pessoal do ABC Agile Talks e um do Escuta na calçada, antes de tudo fechar. Depois do início da pandemia, não estava com muita paciência para participar de eventos onlines, uma vez que ficava o dia todo em reunião, então a coisa que eu menos queria era ficar com fone de ouvido.

Mas um curso que fiz e que me ajudou muito nesse tempo pandêmico foi o de iniciação de palhaço, na casa 11. Ali fiz amigos, dando apoio uns aos outros durante esse tempo desgraçado que estamos.

Esse curso e a interação com outras pessoas fora do trabalho me fez mudar a perspectiva de várias coisas, mas a principal foi: não tem jeito certo de se fazer as coisas. Cada povo, cada lugar, cada nação tem sua interpretação de humor, logo o palhaço tem características diferentes. Não tem uma receita certa de como se fazer. Há caminhos, vários caminhos. Mas não apenas um caminho.

Com essa quebra de crença, de que só há um caminho para se fazer algo, as perspectivas mudam, principalmente na área de TI: quanto mais criativo for sua solução, buscando outros conhecimentos, seja outros frameworks, autores, linguagens, etc, estará sempre evoluindo.

E não, não aprendi a ser engraçado.

Não ultrapassar o limite

Aqui o fato que mais me marcou durante o ano todo: violência contra mulher.

O que aconteceu foi que ao lado do prédio houve agressão física e verbal contra uma mulher e a única coisa que pude fazer foi ligar para a polícia. Fiquei em desespero por não conseguir fazer mais nada. Eu temia que, se eu fosse ao local, haveria problemas com minha esposa, ou se o indivíduo estivesse armado, poderia morrer. Ou até mesmo um processo, pois seria invasão.

E, mesmo passando tudo isso, com a mulher ter conseguido sair da casa, fiquei ruminando esse pensamento por muito tempo: eu não pude fazer mais nada!

Vim do interior com uma cultura de ajuda ao outro, mesmo a pessoa não pedindo. Estou acostumado a descer na cozinha da casa dos meus pais e ter alguém ali, sem ter sido convidado. Esse conhecido entrou e estamos ali, tomando um café. Ou o vizinho ter a chave de sua casa, ou a pessoa que limpa a casa entrar sem avisar, sem nada.

Então em certas situações o pessoal do interior vai lá e ajuda, ou acha que está ajudando, mas sem ter perguntado. Cuidar da vida dos outros, não com o olhar da fofoca (mas tem fofoca sempre, rs), mas com olhar do cuidado em si, é comum demais.

Com a terapia fui melhorando e entendendo que fiz o que pude, se acontecesse algo de mais grave, eu fiz o que me cabia fazer, que era acionar as autoridades competentes. E, depois, entendendo de onde vinha esse sentimento, em que no interior essa situação seria um pouco diferente, comecei a perceber o quão intrometido eu era.

Eu não perguntava se as pessoas queriam ajuda, simplesmente falava: “vou te ajudar”. Ficava mal quando via alguma pessoa próxima sofrendo e ia lá socorrer, mas não perguntava “quer me minha ajuda?”. Com isso ultrapassava várias barreiras.

Hoje eu continuo a estar disposto a ajudar, mas sempre perguntando: “você quer ajuda? se quiser, pode me chamar que tentaremos resolver, ou pelo menos achar o caminho das pedras”. Ou “você quer aprender sobre isso para parar de sofrer?”, ao invés de “é assim que faz, para de sofrer!”.

Leia documentações

Tutoriais de “como fazer uma api rest”, “como testar usando selenium”, “como configurar o linux” tem aos montes, de toneladas por aí. E alguns são muito bons, dando dicas do caminho feliz. Mas só ver tutoriais não transforma ninguém em senior. Saber os princípios por trás, como o mercado está fazendo, ir atrás de documentações oficiais é o caminho a mais quando se vê um tutorial.

Isso foi me falado em duas oportunidade: diretamente pelo Julio de Lima, em uma certa atividade na Capco, outra vendo um vídeo do Fábio Akita, sobre Git e “Aprendendo a aprender”.

Com isso enraizado, minha forma de aprender mudou bastante: procuro um tutorial de algo que não conheço, faço o que é pedido, depois vou procurando entender mais sobre. Além disso, me dá uma base mais sólida para provar minhas propostas e minhas ideias.

Bom, espero que a vacina contra esse vírus maldito seja aplicada em todos e que a credibilidade na ciência aumente.

Ah, para não esquecer: meritocracia não existe:

https://www.youtube.com/watch?v=YINTTVjBrY4

https://www.youtube.com/watch?v=ngR3w4hKgcs

https://www.youtube.com/watch?v=cb5_OmhG_IQ

https://www.youtube.com/watch?v=BrSLcDv0ydg

--

--